4 de fevereiro de 2025

Tu és cego?

A cegueira que se alastra pelos diálogos traz no seu recheio a carência.

O escritor norte-americano Stephen King sempre disse que uma criança, cega de nascença, só sabe de sua cegueira se alguém lhe contar.

Nos dias atuais percebo que a pior cegueira humana tem sido a falta de visão crítica que, a meu ver, está fazendo com que o fanatismo escureça o discernimento.

Movidos por uma cólera inacreditável, parcela considerável da população resolveu não mais dialogar. A troca salutar de ideias e de pensamentos foi deixada de lado e a besta fera adormecida está vagando pelo mundo, solta e desenfreada.

Para aonde foi o debate no café de fim de tarde, no vinho e queijos ao anoitecer e durante o solzinho no banco da praça? Acabou! Ficou tudo cinza, afinal o pecado agora não é mais o roubo, a trapaça ou violência e sim, a discordância de pensamento.

Mocinhos se tornam bandidos apenas por não serem adeptos ao que o outro pensa ou espera do mundo. O triângulo é odiado pelos retangulares e os quadrados pelos circulares. Ódio mortal, tá? Sabem por quê? A cegueira, caro leitor, a cegueira!

A cegueira que se alastra pelos diálogos traz no seu recheio a carência, que não deixa de ser parte integrante da cegueira, pois faz milhares de pessoas se agarrarem a qualquer coisa. Aí, para fechar a janela do contraditório e jogar a chave fora é um pulo.

A cegueira além do recheio da carência acima dito tem bordas enormes de arrogância. Um certo ar de dono de todas as falas e retóricas é a forma tradicional daquele cego arrogante que perdeu o dom de ouvir e agora é apenas um mero repassador das informações que lhe alimentam. Uma espécie de rio sem oxigênio e totalmente fora da rota que poderia lhe fazer chegar ao mar.

A selvageria trazida por esse fenômeno de cegueira tem potencial corrosivo nas relações familiares, conjugais e sociais. Não há mais espírito de benevolência ou de respeito. Discordou do cego, pau na moleira!

Aqui vai uma tristeza! A cegueira não permite que se possa enxergar com os olhos do coração, ou seja, o órgão campeão de poemas e amores está fadado a ser desprezado pela cegueira carente e arrogante vigente, incorporada em uma considerável massa popular.

Estou assustado! Parece que os campos estão ficando cada vez mais minados e os jardins do pensamento livre e respeitoso, cheios de minas terrestres prontas para explodir o diálogo franco e plural.

Tu és cego? Diz que não, por favor!

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Cláudio Andrade

Cláudio Andrade

Advogado, professor universitário da Candido Mendes, autor dos livros "Direito, política e sociedade" e "Entrelinhas". Vereador de Campos na legislatura 2017-2020, com autoria de 17 Leis Municipais. Atualmente, ocupa o cargo de Diretor de Ação Regional do Procon-RJ.

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